sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

DEVE EXISTIR - Raymundo Fortunato

Poema recém criado pelo grande amigo Raymundo Fortunato, poeta de profunda sensibilidade. Nosso conterrâneo de Santo Antônio/RN.



..:: DEVE EXISTIR ::..


Deve existir algum lugar pra mim
Reservado, quieto, sossegado
Onde, à sombra das árvores,
Passarinhos façam seus trinados
E também se escute o mantra da cascata
Entre os sons que brotam lá da mata.
Num terraço espaçoso, ventilado, 
Esparramado numa rede de algodão
Poder sonhar entre dormindo e acordado,
Mergulhar em mares nunca dantes navegado,
Mesclando realidade com reflexos de ilusão!

Deve existir alguém feito pra mim, 
Dotada de carinho, caráter e coração,
Alguém que me pegue pela mão
E caminhe ao meu lado devagar, 
Passo a passo na mesma direção.
Alguém que goste de sorrir, 
E que não tenha pressa de partir. 
Que goste de crepúsculos e alvoradas
E amorosa até nas madrugadas
Pós-festa, pós-filme, pós-qualquer loucura, enfim,
Alguém que eu quero há de ser assim!


­­­­­­­­­_______________Raymundo Fortunato

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

FLOR EXTINTA - Zila Mamede

..:: FLOR EXTINTA ::..

Extinta flor azul na correnteza,
desfeita luz na face transitória
do tempo, voz perdida na memória
em traços, mudas formas de beleza.

Sob folhas de mangue acobertada,
extinta flor azul entorpecida
numa corola resta vã, sem vida,
navega na torrente, atormentada.

Distantes, já, em sombras liquefeitas
as pétalas marejam sóis, desfeitas
em mil fragmentações, gestos sem cor.

Nas brumas, morto caule inconformado
liberto foi de corpo ensanguentado,
perdido corpo azul de extinta flor.


________________ Zila Mamede, 1928-1985


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

SEM TÍTULO - Pedro Neto

Mais um saído de Nova Cruz. Dessa vez é do amigo Pedro Neto cuja companhia boêmia muito alegra a mesa. Valeu, Pedrinho!


..:: SEM TÍTULO ::..



Divino o pano que te cobre a nudez
Que ao pecado dos meus olhos não dá vez
Pena não fazer sua sensualidade brilhar
Para eu poder me molhar como no mar

Só em pensamento fico desesperado e sedento
Como um peregrino há dias no deserto
É vicioso ao paladar lembrar desse caminho
Consumido como ferro fundido, porem sozinho.

Aqui teu canalha pra te bater na cara
Te tocar como a mão que a terra ara
Admita que somos escória, e se suja atoa
Vamos se lambuzar no balanço de uma canoa

Usa pra o que preste tua agressiva feminilidade
Ainda que por muito queira negar vivemos na realidade
Teu prazer é errado, se da no meio da trama.
Uma historia épica, seu ponto final se dá na cama.

______________ Pedro Neto

SEM TÍTULO - Joyce Borgaço

Para os que, assim como eu, gostaram de como ela escreve, mais um de Joyce Borgaço para nós:



..:: SEM TÍTULO ::..


No dia em que fui livre, corri.
Meus cabelos bailaram suavemente.
Não quis saber de tempo e espaço.
Pela primeira vez senti o regozijar de não pertencer a ninguém, de ser só minha. Minha!
Existia luz, calor, amor, havia tudo o que eu desejasse que houvesse, e o principal, tinha mais de mim. Eu era o verbo transbordar em seu majestoso infinitivo. Eu estava lá, sem formosura, mas com ternura, vazia de explicações e interrogações. No extremo do lugar mais distante, no pico dos meus anseios. MEUS anseios. No mar das boas lembranças, próximo ao cais dos meus devaneios.
Eu era cor, flor, sabor, ardor. Eu era, e só de ser, minha felicidade se fazia carne.
Acreditei na lenda, li.
Almejei a felicidade, não chorei.
Tive fé na escalada, subi.
Confiei na estrada, embarquei.
Quando me dei conta do prazer de não estar, acordei. Eu fui sonho. A liberdade não me cabia, ou não fornecia o meu tamanho.

Eu ambicionei ser independência; trem sem hora para chegar; bolo de cenoura saído do forno; música na hora do banho. Mas a única coisa que eu pude ser, foi cobiça. “Olhos Fechados” era o meu nome. Eu fui vontade de liberdade, agora sou desejo de ser. Ou, numa tradução simples, sou “tanto faz”.

______________ Joyce Borgaço

SONETO GEOMÉTRICO – Zila Mamede

..:: SONETO GEOMÉTRICO ::..

Ventre da noite, incesto, cavernoso,
gerando ideia longitudinal.
O frio vento insólito e anguloso
vertendo em gesto azul a flor do mal

que vinda foi de rio caudaloso
e após ter sido areia e também sal
fundiu-se logo em ângulo brilhoso
descrito num momento horizontal,

por causa de um desejo da neblina
que, pura, quis traçá-lo na retina,
em formas, já, de justificação.

Tranquila, a flor do mal purificada
despiu-se, pois, de forma avermelhada
por branco horizontal de redenção.


________________ Zila Mamede - 1928-1985




terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Transição de uma época - Claudianor D. Bento


Recordo muito bem. E vocês, não lembram?
A transição de um passado bem recente
onde a válvula e o vinil, por si, reinavam
e hoje o DVD e o transístor  são o presente.

Não faz muito tempo... Na minha mente
lembro-me das máquinas que datilografavam
cartas e documentos. Ilusões? Todos contentes.
As pessoas eram felizes e até brincavam!

Eu fazia, eu pedia e a máquina me dava.
Ouvia o disco, eu escolhia e me divertia.
Em obrigações que não me inutilizava.

O modernista diz: tem que ser assim! E sorria!
Contemporizar, não seria a solução? Clamava
o pequeno operário, que o seu emprego perdia.    


Claudianor D. Bento                                 Outubro de 2002






VÃO - Joyce Borgaço

É com um imenso prazer que posto para vocês o primeiro (de muitos, espero) poema enviado pro blog por Joyce Borgaço, amiga de uma rara sensibilidade. Muito Obrigado, "Joh" pela contribuição.




..:: VÃO ::..


(Dedicada ao amigo Rogério, que me fez ver no vazio uma inspiração para escrever.)


Indescritível sentimento que não sinto.
Incontestável ausência de emoção que nada significa.
Sem cor. Sem sabor. Sem amor...
Não há nada senão o nada.
Circulado por fora, mas por dentro... Não há dentro.
Sem eu. Sem meu. Sem seu...
Um “nosso” que esvoaça pelo ar a procura de companhia. “Nosso” sem eu, sem você, sem nós...
Saco plástico. Zero. Símbolo do infinito. Todos descrevem o que sinto, pois não há descrição. É vago. É raso. É ausente. É fútil. É desprovido.
O que há dentro do que deveria ser amor é um simples lugar inabitado. Campo de guerra sem guerreiro. Arma sem munição. Guerra sem ferido. Amor sem correspondência...
Falta algo. Falta tudo.
É vazio.

______________ Joyce Borgaço

ATUALIDADE - Elêusipo Oscar de Oliveira

...::: ATUALIDADE :::...

Os homens não se entendem! Confusão!
Aumentar a gana ao nobre em seu poder!
Aumentar a gana ao pobre em seu sofrer!
Não há lei, nem amor, nem união.

É a babel subindo à amplidão
Por via da ganância, do querer
Do cego poderoso que não vê
O martírio do lar do seu irmão.

Nesta cosmogonia buliçosa
Dos astros em constante polvorosa
Vejo neste retrato a perfeição.

A meiguice, a ternura desta imagem
Me eleva e faz guardar como mensagem
Na tela viva do meu coração.


_______________ Elêusipo Oscar de Oliveira




segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Frases - Câmara Cascudo


"Quem não tiver debaixo dos pés da alma, a areia de sua terra, não resiste aos atritos da sua viagem na vida, acaba incolor, inodoro e insípido, parecido com todos".


Câmara Cascudo



domingo, 23 de fevereiro de 2014

Solito - Elêusipo Oscar de Oliveira


..:: SOLITO ::..

A meditar às vezes julgar penso
Em meu feral destino atro e duro
A meditar às vezes eu me apuro
No insólito sofrer a mim intenso.

Esta Geena julgo marco infenso
Conseqüência de um passo prematuro
Nessa escada de vida que aturo
Num escabroso caminho tredo e denso.

Triunfar nessa vida eu bem quisera,
Saudando a natureza, é primavera,
Bem alheios e nefastos pelourinhos.

Ofegante talvez morra vivendo
E com vida talvez viva morrendo
Sem remédio, sem lar e sem carinho.


_______________ Elêusipo Oscar de Oliveira

FÓRMULA – Jose Miguel de O. Neto


..:: FÓRMULA ::..

“Errar é humano”!
Até não prejudicar o autor da frase,
Que nunca erra, o que é um erro.
- Nunca erre, amigo! Não que os outros percebam.
Seja mesquinho, cínico e insuspeitável.
Qualquer que seja a oportunidade,
Conspire contra a verdade e que tudo ocorra
A seu bel prazer; finja, morra,
Suma para longe, faça o que ninguém faz.
Então, como não se espera, dirão:
- Tão bom era aquele pobre rapaz!


Do livro Trégua - poemas
José Miguel de O. Neto

AS NOSSAS CORES - Ewerton Lemos

..:: AS NOSSAS CORES ::..

Cores, personalidade em cores

tantas são todas as cores
quantas são as suas dores
muitas não tem mais sabores
precisam se reinventar

cores, personalidade em cores

cada um com seus amores
cada amor com seus atores
amarelos bastidores
anis, azuis, rosa-grená

cores, personalidade em cores

somos admiradores
nesse circo dos horrores
tantas pessoas quanto cores
e tons a personalizar

________________ elemos

FEBRE - Henrique Castriciano



Por toda parte rosas brancas vejo…
Rosas na fímbria dos Altares,
Coroadas de amor e de desejo…
Rosas no céu e rosas nos pomares.

Uma roseira o mês de Maio. Aos pares
Surgem, da brisa ao tremulante arpejo,
Estrelas que recordam, sobre os mares,
Rosas envoltas n’um cerúleo beijo.

E quando Rosa, em cujo nome chora
Esta febre cruel que me devora,
De si me fala, em gargalhadas francas,

Muda-se em rosa a flor de meus martírios,
O som de sua voz, a luz dos círios…
O próprio Azul desfaz-se em rosas brancas.

______________  
Henrique Castriciano (vibrações/1903)


Celeste - Auta de Sousa


Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro...
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, se podes, quanto é mansa
A luz que bola sob um cílio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!

Imagina por que peço, na morte,
- Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos...

Imagina por que... mas, lírio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

_______________ Auta de Sousa - Jardim (Agosto de 1897)

Soneto ao rio da minha terra - Claudianor D. Bento



Soneto ao rio da minha terra
 Ao Rio Jacu Santo Antônio-RN

Lágrimas descem, pelo rosto, ao frio
sucedendo ao pranto que por si se encerra
saudade eterna da longínqua terra
que só em sonhos e em desejos espio.

Pedra da onça que sustenta, em curva, o rio
na lembrança o vejo serpenteando o agreste
caudaloso rio que sob a invernada desce
ao jacu que canta alimentando o seu ninho.

Poderia eu, saudoso rio, pelas tuas águas entrar
pois no mesmo instante onde encontras o mar
deixas a porta aberta onde tudo escondes!

Mas se o destino me quis assim reservar
para que algum dia eu possa enfim voltar
debruçarei por fim nas tuas eternas fontes!

Claudianor D. Bento – novembro de 2012


Pólen - Ewerton Lemos



PÓLEN

Inúmeras vezes 
o chamado do amor 
longe ecoa 
pelos campos virgens,
perfuma a terra
e para longe
voa.

E encontra desprevenido,
em sonho,
um peito qualquer
onde verde
mora um coração

e lá germina
sua semente.

Então
depois amor
o doce fruto
colhe, mas não
sem antes lhe esgotar viva
a seiva, o viço
e a propria vida.

Amor, para existir,
suga, alimenta-se
de cada gota de energia,
rouba o ar, o brilho, o orgulho,
a noção do perigo
e do eu.

O amor vem
e nos extrai
já quebradiços
de nós mesmos,
entretanto,
em troca,
entrega-nos
outra vida
para amarmos.

_________________ elemos