quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O chamado - Zila Mamede


O chamado

A terra de minha origem primitiva
me chama.
Circula-me nas veias o cansaço
de suas raízes.
A seus anos me devolvo
e a seus abismos me abandono.
O chamado da terra é um chamado
que não pode ser ouvido:
é um afago da terra
tendo cheiro de campina amanhecida,
que modela o meu sangue
como um soprar de vento
na tarde
dos canaviais.



________________ Zila Mamede


Monólogo de um bisturi - Henrique Castriciano

Monólogo de um bisturi 
A Papi Junior 



Primeiro o coração. Rasguemo-lo. Suponho
Que esta mulher amou: tudo está indicando
Que morreu por alguém, este ser miserando,
Misto de Treva e Sol, de Maldade e Sonho.

Isto não me comove: adiante! Bisonho
Fere, nevado gume! E, ferindo e cortando,
Aço, mostra que tudo é lama e nada, quando
Sobre os homens desaba o Destino medonho...

Fere esse braço grego! E as pomas cor de neve!
E as linhas senhoris que a pena não descreve!
E as delicadas mãos que o pó vai dissolver!

Mas poupa o ventre nu, onde repousa um feto;
Por que hás de macular o sono fundo e quieto
Desse verme feliz que morreu sem nascer? 


_________________ Henrique Castriciano



A Vida... Jorge Fernandes


A vida...

A nossa vida é um caminho
E todo caminho
Tem às vezes precipícios:
As rampas, terrenos íngremes
Os calhaus
Os répteis venenosos...

Às vezes um encontro
– Uma pessoa afetiva
Que há muito não víamos –
Um forte aperto de mão
Um consolo... um adeus...

Às vezes farto descanso...
Uma árvore frondosa
Acolhedora...
Água fria e boa
Que nos mata a sede...
Uma casa hospitaleira...
Mas a vida continua...
E o caminho está na frente.
Apresentando ao longe
Um ângulo fechado:
E aí os dias vindouros
Os minutos imprevistos da
Viagem.




______________ Jorge Fernandes