quinta-feira, 3 de abril de 2014

RESILIÊNCIA - Miguel Neto

Com vocês, mais uma composição do amigo Miguel Neto, poeta que dispensa comentários sobre sua visão do tempo tão bem representada no poema que segue:


. . : : RESILIÊNCIA : : . .


Quando a inocência protegia pela ignorância das coisas,
Nuvens negras não povoavam as cabeças despreocupadas,
As cores eram sempre claras e aos pés o caminho era calçado,
Os embates, sem inimigos, tinham o prazo de um sorriso,
Sem exigir, sempre, atitudes corajosas,
A verdade, única opção, incontestável e inflamada
Trazia em sua certeza, a certeza inábil de viver sem passado,
Mas tendo no futuro, todo o futuro que era preciso.

Das vezes em que pensamos em crescer, na verdade já é findo,
Já é roubada a proteção dos sentidos e da alma límpida,
Arcamos, dessa feita, com a sabedoria própria do homem,
Aquela, só dele, que causa a dor do aperto no peito.
Nuvens de chumbo que no horizonte já vem vindo,
Naturais, agora, que a inocência é ínfima,
Naturais tanto quanto os males que o consome,
Naturais quanto o fim do mundo que jaz desfeito.

As perdas são normais nesse trajeto, aos nossos olhos, se são dos outros.
As nossas são sempre irreparáveis, injustas e em má hora.
Dessas, a princípio, nada é capaz de trazer conforto,
Qualquer palavra, por tentativa, tem por efeito a piora.

Quando um pedaço se vai desse mundo completo,
Guardamos o que é possível de sua presença,
Mantemos intactos sua lembrança e nosso afeto,
Lutando contra a lacuna e o buraco que se formam,
Exorcizando o poder da distância.

O tempo trará a resiliência;
A crença, a esperança;
Os que ficaram, a continuidade;
A saudade, a presença;
O coração, a verdade.



_______________ Miguel Neto

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