quinta-feira, 27 de março de 2014

NOITES AMADAS - Auta de Souza

..:: NOITES AMADAS ::..

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!


Macaíba - Agosto de 1898.


________________ Auta de Souza


domingo, 23 de março de 2014

ETERNO SONHADOR - Claudianor D. Bento

 Antiga Rua Grande - Santo Antônio/RN

..:: Eterno sonhador ::..


Descendo a ladeira da velha Rua Grande
ao lado de casas que com o tempo se vão
banzeiro e cansado na boca da noite
andando tropeço e já quase dormindo
me vejo novamente naquele menino.
Levando reprimenda do vigário em ação:

- O que estás fazendo aí, menino, na calçada da Igreja.
   Fosses batizado? Senão...

Do lado da rua e correndo agora
passa despercebida, a mercearia do Seu Jorge.
Epa!  É a esquina para o cemitério. Recordei.
Em branco fiquei e gelado também
na calada da hora em silêncio continuei
voz rouca estrondava e pasmado fiquei:

- O que é que tu queres, menino?
  Tenho prego, vela e querosene.
  Não vês tu que estás atrapalhando
  a procissão das almas a caminho da igreja.

No silêncio da noite ao miado de gato:
- miauuuuu! "Sai pra lá gado das almas"!

Em subúrbio morava e a passos largos rezava...

Na Rua do Motor, e da delegacia também.
Sombras de outrora vagavam pela rua...
Errantes e num eterno vai e vem!

De súbito esbarrei: onde fui me meter!

- Tem um Sequilho aí pra mim, Dona Iaiá?
- Ora tenha graça! Será folguedo. Passa menino!

Era tarde e no beco da delegacia só a solidão me ouvia:

- Solta os elos do meu braço, menino, preciso correr!
  Ninguém meu Deus...
  Loretão te pega! Lembrei.  Ou seria o Cabo Cabral?
- Corre que a Cumade Fulozinha te pega!
  Dizia o Cabo, com o seu cachorro de fogo.

Agora acelerando com força superior
Chegando à Rua da Quixaba que o vento me levou
porém sem ver nada, uma falinha murmurou:

- Passa moleque, tu não viu nada. Ouviu?
- Moleque atrevido. Onde já se viu!

Muitos metros à frente, na 13  cheguei
e já ofegante, minha casa avistei.
Coração saltando de batimentos em tambor
olhos agudos de medo, justifica o clamor.

- Ah não! Com o medo surge a vertigem!
  Só pode ter sido isso...

Batidas na porta e sem forças entrei.
Atilado ao destino certo, a passos lentos,
doces e conhecidas vozes escutei:

- Acorda menino, já tens 8 anos, hora de trabalhar,
  tens que nos ajudar.

Dentro das mesmas vozes outra voz esbravejou.
A realidade triste dessa vez me acordou.
Ao berros e gritos o patrão “Ricássio” bradou:

- Acorda “produtor”, hora de trabalhar,
  tens que me ajudar,
  pois riquezas tenho que juntar!
  Estás mirando ou sonhando acordado?
  Até a cara molhou...
  Por acaso estás perdido, agora?

- Não, agora não...
  me perdi lá na infância em um tempo,
  que, há tempos, me levou!

Descendo a ladeira da velha Rua Grande
ao lado de casas que com o tempo se vão
banzeiro e cansado na boca da noite
andando tropeço e já quase dormindo
me vejo novamente naquele menino.



_____________ Claudianor D. Bento






sábado, 22 de março de 2014

CHEGUEI AO MONTE DO GALO - Júlio Targino

MONTE DO GALO EM CARNAÚBA DOS DANTAS/RN

..:: CHEGUEI AO MONTE DO GALO ::..

Cheguei ao monte do galo
De sete pra oito horas
Ao começo da ladeira
Visitei Nossa Senhora.

Eu vi Bom Jesus dos Passos
Esticado no caixão
No começo da ladeira,
Sexta feira da paixão.

O que eu vi lá no monte
Nunca me sai da memória
Ali só sendo milagres
Da mãe de Deus das Vitórias.

Quem vai ao Monte do Galo
Tem prazer e alegria
Só em ver tantos milagres
Da sempre Virgem Maria.



_____________ Júlio Targino

Referencias:

Pessoa, Gélson Luís. Salto da onça, de vila a cidade, 232 a 233. Ed. IMEPH, 2014.



Júlio Targino, natural de Serra de São Bento/RN,  se considerava santoantoniense de coração. Andava pelas feiras da região vendendo o seu famoso remédio natural à base de jerimatea*. Poeta popular, oferecia sua mercadoria cantarolando versos do tipo:

“jerimateia tem um cheirinho diferente
Jerimateia  tá curando tanta gente.
Jerimateia tem um cheirinho de fulô
Jerimateia tá curando toda dô”.



*Jerimateia –Jaramataia(Nome científico:Vitexgardneriana) (Família:LAMIACEAE).



sexta-feira, 21 de março de 2014

Claro que o blog é feito para amigos divulgarem, assim como nós, os trabalhos pessoais. 

Sendo assim, que haja esse meu como incentivo para novas postagens essa minha, vamos aquecer o blog:


IMPERFEITO


É...
quando a coisa complica desse jeito
e a verdade é dura e indigesta,
quando o mundo dá voltas imperfeito
e nos deixa de fora dessa festa,
aparece no peito uma ferida,
uma dor desmedida que só sara
quando a vida, que gira e nunca para,
amanhece tranquila e traz no peio
outro amor imperfeito como agora.


_______________ elemos

quinta-feira, 20 de março de 2014

DESTARTE - Ewerton Lemos

..:: DESTARTE ::..


Quero uma música simples
Que fale de um dia qualquer
De um sol que sobe sorrindo
E a gente acordando feliz

Quero acordes suaves
Como as tardes de verão
Que tenham o cheiro das flores
Que falem um pouco de mim

Quero uma letra esguia
Que tenha o barulho da chuva
Lavando os tetos das casas
Deixando a tarde cheirosa

Adoro o sabor das palavras
Mastigo, engulo e traduzo
Um verdadeiro banquete
Destarte sigo cantando


_______________ elemos

DIGITALIZAÇÃO DA ALMA - Claudianor D. Bento


..:: Digitalização da alma ::..
     (Duas caras)

Se na digitalização da tua sublime face a “verdade” se avistasse
por onde da estampa da imagem vibra a alegria angelical.
Se por acaso por detrás dessa visão, em suma, principal
entre os pixels visíveis a admirável alma também se mostrasse.

Em que a humildade e a virtude que dizes ter, e a tua moral...
Tudo isso, de relance, por entre os muitos pixels se revelassem.
Mesmo que por pouco tempo à tua consciência chegassem,
verias a verdade que de fato marca esse teu inspirador ideal.

Perceberias que nem tudo nesse teu imenso circo idolatrado
onde vives sob máscaras num mundo de fingimento idealizado
e expondo essas verdades, agora, diante dessa digital ironia.

Tu! Um ser vaidoso e confiante, surpreendido ficarias
ao perceber que tudo o que, a tempos, ostentavas e dizias
não passava de pura falsidade, arrogância e hipocrisia.


_________________Claudianor D. Bento – dezembro de 2011

terça-feira, 18 de março de 2014

Rua (TRAIRI) - Zila Mamede

Saudades da Rua Trairi - Bairro de Petrópolis - Natal/RN

..:: Rua (TRAIRI)::..

Nos cubos desse sal que me encarcera
(Pedras, silêncios, picaretas, luas,
anoitecidos braços na paisagem)
a duna antiga faz-se pavimento.

Meu chão se muda em novos alicerces,
sob as pedreiras rasgam-se meus passos;
e a velha grama (pasto de lirismos)
afoga-se nos sulcos das enxadas,

nas ânsias do caminho vertical.
Ao sono das areias abandonam-
se nesta rua vívidos fantasmas

De seus rios meninos que descalços
apascentavam lamas e enxurradas.
Meu chão de agora: a rua está calçada.


_______________ Zila Mamede

segunda-feira, 17 de março de 2014

GLOSA - Raymundo Fortunato

A criação dessa glosa de autoria do amigo Raymundo Fortunato traz todo o romantismo do poeta oferecido nestes versos à sua musa que à época da sua composição residia na famosa Rua Princesa Isabel, Natal/RN, endereço este que assim como sua musa também fica eternizada no poema.


GLOSA

Pra disfarçar a tristeza
Que faz doer a saudade
Caminhei pela cidade
Na rua de uma princesa.
Queria ver-te com certeza
Pra felicidade minha
No âmago d'alma sustinha
Esse anelo belo e puro,
Pois atrás daquele muro

Moras tu, minha rainha! 

______________ Raymundo Fortunato

domingo, 16 de março de 2014

SEM TÍTULO - Rafael Sávio

Você pode se perguntar: "se o blog se chama poesias e prosas potiguares, por que só vejo poesia?" Resolvendo esse problema, na tentativa de esboçar uma reação para igualar o placar entre prosa e poesia, apresento pra vocês um ótimo texto do grande (embora não na estatura) Rafael Sávio:



..:: SEM TÍTULO ::..


O amor verdadeiro e real cria uma trégua com a morte, toda covardia vem de não amar ou não amar bem, o que dá na mesma. Quando um homem corajoso e verdadeiro olha a morte de frente como caçadores de rinoceronte ou como Belmont, que é muito corajoso, é por que ele ama com paixão suficiente pra esquecer completamente a morte, até que ela retorne como faz com todos os homens.
Me senti, beijando você, por um segundo, que eu era imortal...Porque a vida é misteriosa demais, a vida é tão ruidosa e complicada. Como o encontro de dois rios, mesmo perto um do outro e impossíveis de se amarem, pois, como água e azeite não permanecem juntos.
Mas amores impossíveis são surreais, como ficar numa cidade perfeita, onde todas as luzes são como o sol e o chão é infinito, para poder andar livremente entre todos os boulevads e ser assistido de júpiter pela sua grande demonstração de carinho.

_______________ Rafael Sávio
E pra provar a máxima de que "tamanho não é documento" e que não importa o numero de palavras ou o comprimento das linhas, trago para nós esse texto curto e profundo de Joh, a quem eu tanto admiro:



"Um enigma feito por uma grossa camada de perguntas que não conseguem caminhar ao encontro de suas respectivas respostas tem exatamente o tamanho do meu vazio."

_______________ Joyce Borgaço

sábado, 15 de março de 2014

SEM TÍTULO - Daniel Michael

Aqui vai mais um estreante no blog e também de Nova Cruz, o amigo Daniel Michael. Eu gostei e vocês?



..:: SEM TÍTULO ::..



Amor que de tão grande não
cabe em si mesmo. Não cabe
em si mesmo ser amor.

Amor que de tão grande quando
esbanja
Vira raiva; vira sol; vira sexo; Vira
lágrima.

Amor, Amor,
por que foste te meter aí,
nalgo tão pequeno...
Que ficasses espalhado pelo
mundo,
ao céu, ao sol, ao sexo, ao mar;
que Deus pudesse ser teu
nome...

Amor, Amor,

Por que foste te meter aí,
mesma só palavra;

amor nem é o mesmo que amar!
Por que não num céu, num sol,
num sexo? Num criar – num
olhar?

No silêncio?

Amor,
por que te meteste aí,
nalgo tão pequeno,
no juízo do ser humano.



______________ Daniel Michael

quinta-feira, 13 de março de 2014

JANGADEIROS - Jorge Fernandes

 

(Imagem: Percy Lau)

..:: JANGADEIROS ::..

Nas manhãs claras de estio
Deslizam nos rolos as jangadas,
E de velas enfumadas
Fazem-se ao mar!

          Singram velas...
          E os pescadores
          Sob os rigores
          Do sol, vão pescar!

Agudas velas ligeiras
Fazem-se ao mar!
São almas aventureiras
Que entre asas ligeiras
Sobre as ondas vão pesar!

          Jangadeiros!  Jangadeiros!
          Não enfrentem tempestades!
          Fujam das trombas do mar!
          E antes das pedras piscosas
          Não vão, vocês, naufragar!
Asas que foram mar em fúria
Voltem do mar!
A terra chama ó jangadeiros,
E a caseira,
Companheira,
Está nos morros,
Entre coqueiros,
A esperar...
 
          Voltem pois, asas ligeiras,
          Voltem do alto mar!...
(1952) 




________________Jorge Fernandes


quarta-feira, 12 de março de 2014

RECÔNDITA LUA, DOS SONHOS MEUS - Claudianor D. Bento






..::RECÔNDITA LUA, DOS SONHOS MEUS::..


Noite escura pavorosa em lástima
e  o   céu cinzento escondendo a lua
da mágoa  perdida que é minha e sua
duma lembrança antiga e agora morta!

Firmamento sombrio à brisa venturosa
devaneios perdidos da lembrança  tua
tropeçando na noite em vaporosa rua
ao buscar agrados  na visão nebulosa!

E antes que o dia venha de vez a raiar,
muito antes que amanheça em realidade
e que leve embora de vez esse horrendo sonho,

mostras a bela esperança em teu natural cintilar
de onde embelezas o semblante da eterna saudade.
Mostra-me uma centelha tua ao olhar tristonho.


__________________Claudianor D. Bento - outubro de 2011

terça-feira, 11 de março de 2014

ALVORADA - Ewerton Lemos

Há tempos que não venho escrevendo na forma clássica, mas tive essa recaída. Espero que tenha ficado a contento.


..:: ALVORADA ::..

Tenho andado sem foco ultimamente
e por tempos passei sem um farol,
pelas sombras buscando a luz do sol
já não posso dizer ser inocente.

Girassol atraído à meia noite,
mariposa voando sem destino,
luz de vela, seu brilho pequenino
animal desgarrado pelo açoite.

Na ausência de luz que ilumina
eu aguardo o sol quebrar a barra
na manhã que me aquece a retina.

e ilumino os olhos com amor
quando vejo tamanha formosura
ofuscar-me de tanto explendor.


_______________ elemos

segunda-feira, 10 de março de 2014

EM CINCO MINUTOS - Hugo Saldanha

Esse poema, de autoria de Hugo Saldanha, que dispensa comentários me foi apresentado pelo amigo Everton Martins após uma cobrança pública nas redes sociais. Valeu a pena!



..:: EM CINCO MINUTOS ::..


Há cinco minutos sofri um espancamento e tive meu corpo de criança estuprado – em casa.
Há quatro minutos fugi e moro nas esquinas da rua.
Há três minutos me forçaram a fumar maconha e conheci o pó.
Há dois minutos um policial fumou o baseado que roubou da minha boca.
Há um minuto, tudo se repete de minuto a minuto com outras crianças.

Há um grito oprimido pela força escondido sob um olhar triste.
Meu olhar não esconde mais nada, grita.
E nesta vida consumida me consome ainda a ânsia de por fim a minha pior droga,
Que a partir de agora se chamou vida.


_______________ Hugo Saldanha. (Natal, 2001)

domingo, 9 de março de 2014

SEM TÍTULO - Miguel Neto

Mais um do grande amigo Miguel Neto para nosso deleite:



.:: SEM TÍTULO ::..


Para malhar o ferro,
o martelo bate,
bate, bate.
Bate tanto que o deforma,
bate para dar forma à arte,
pra dar vida à forma.

E como castigo,
ao imitar o dom divino,
perde aos poucos arestas,
que ao contrário de seu ofício,
sem valor algum,
será massa disforme,
preterido num canto,
vendo seu sucessor
batendo, batendo,

batendo...

_______________ Miguel Neto 

(Poema retirado do livro "Trégua" disponível em: 
http://www.clubedeautores.com.br/book/124461--Tregua#.Uxzt-j9dVs4)